terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

ENROLADOS NOS PAPEIS




N'outro dia parei estarrecida ante a dificuldade de encontrar um papel. Até aí nada demais, afinal o que é um papel? Simples derivado de vegetais que transformado pela ação química adquire diversas utilizações: uns embrulham ricos presentes que alegram os momentos festivos da vida; outros os alimentos que nos mantém vivos e outros limpam as sujeiras de partes do corpo.
Até aí tudo bem.

Há porém outros papéis bem mais complexos e difíceis de se lidar. São os papéis que vamos aos poucos desempenhando pela vida afora.

Há o papel criança:
* bem amada, super protegida, zelada e mimada ( tanto que não dá para ser útil, tal o zelo!).

* abandonada, amassada, jogada aos cantos e esquinas da vida, como se um brinquedo velho fosse...

*adolescente: buscando seu caminho teima em ser acreditado em sua utilidade; alguns acreditam que servem para embrulhar alguma coisa, outros os pensam inúteis e os deixam de lado - esquecidos até perderem o prazo de validade e cairem no esquecimento de sí mesmo.

Há o papel de mil e uma utilidade:
Embrulham tudo, assumem qualquer presente: coisas velhas e sem serventia, sapatos, roupas e jóias; finos móveis , carros e casas.... Fazem o super papel ( heróis?) ! Outros se saem mal não conseguem embrulhar nada: nele tudo se escreve e tudo se apaga. É riscado, amassado, rasurado. Pensamentos são anulados, suprimidos os ideais: são rotos e desvalorizados.
É o caos, é o lixo , é o fogo.

Há também os papeis títulos:
Hierarquizados, arrumados de cima pra baixo, socialmente valorizados, mas espezinhados na essência pela sede de poder e de estar entre os melhores papeis: são do tipo papel couchet.

Aí, chega o dia em que, preocupado, cônscio de desempenhar bem o papel que lhe cabe, percebe abismado que, como ser de nada vale: os papéis tomaram-lhe o lugar, o espaço, a personalidade.

Eu o vejo, toco, sinto sua infinitude - mas prova-me, por favor, que existes. Apresenta-me o papel do teu nascimento. Tens companheira? Nas noites de frio ela te aquece com o calor do corpo? Te dá afeto e carinho? E teu deslevo por ela é imenso? Cadê o papel do casamento? Sem ele teu amor não existe, nem consta nos livros sociais...

Teus filhos são bonitos e preenchem o vazio de teu coração suavizando-te os sofrimentos? É por eles que labutas noites e dias, enfrentas o frio e o calor das horas de trabalho? Existe o labor diário para alimentá-los e mantê-los saudáveis mas... já passaste pelo cartório para provar que existem mesmo?

Ah, agora é tua mãe que morreu. Lágrimas quentes e incontroláveis rolam-te pelo rosto. A dor dilacera teu coração. Nunca mais ouvirás o som da voz cansada pelos sofrimentos da vida, nunca mais os passos miúdos rondando pela casa em busca do quê fazer, nunca mais o afago nos cabelos e a palavra amiga a te confortar. O corpo está frio num caixão qualquer. Perdeste o pedaço mais importante de ti mesmo: a origem de de tudo o que és. Para livrá-la da decomposição visível e desprezada pelos sentidos humanos necessitas do papel-óbito, provando assim, indubitavelmente a sua morte.

E assim a existência da obra preciosa do Criador é transformada em um simples papel que depois de amassado, rasgado, triturado, torna-se uma massa molhada por lágrimas do oceano insecável dos teus olhos, que se vêem transformados em papel marchet, que se molda de acordo com os ditâmes da sociedade que tu mesmo fizeste.

Até aí, tudo bem, afinal estamos todos mesmo enrolados nos papéis escolhidos por nós mesmos!

E é neste contexto de embrulhados e embrulhantes que um dia, cansados de tanto ansiar por desempenhar um papel que represente a imagem do que somos realmente nos decidimos pelo papel reciclado buscando uma nova chance de fazer diferente, com nova cor, um outro destino.

Até aí não mais tudo bem... mas agora está tudo bem!

3 comentários:

Ariane Rodrigues disse...

Crônica linda! E muito pertinente!
Beijo!

meninamulher disse...

Gostei do blog
grand bj
souumhomemdepaixoes.zip.net

Maze Rodrigues disse...

Obrigada menina mulher. Visitarei jajá o teu blog