quarta-feira, 4 de novembro de 2009

UM IRMÃO ALÉM DO ALÉM


O mundo das lembranças é belíssimo. Não sei se no cérebro ou se no coração, ou em algum lugar na infinitude de nosso ser. Guardamo-las como se em nossas entranhas houvesse inúmeras gavetas e nelas guardassemos pessoas inteiras, como num arquivo onde se guarda papeis para na necessidade, buscá-los.

Numa dessas gavetas internas guardei você. Hoje ressuscito-lhe ao meu bel prazer.

Penso-lhe alto, moreno, cabeleira preta e cheia, olhos grandes e vivos. Vaidoso, cônscio da beleza masculina que possuía. Sempre vestido de branco. Calças no estilo sanfona, como era o costume da época. Cabelos à base de vaselina ( o gel de hoje), alegre e sempre com um sorriso nos lábios, senhor de um bom humor e de brincadeiras intermináveis. Grande dançarino e " um puto " mulherengo, todas sempre às voltas dele. Trabalhador e enrolão, numa mistura de baiano e carioca. Afetivo e sonhador.

Para quem ele gostava, muitos sonhos tinha. Parece-me que era eu uma das pessoas que ele mais amava, pelo carinho que para comigo tinha e com o qual sempre me observava ( e foi minha primeira e única babá).

Não era dado a igrejas, mas alguns fenômenos espirituais com ele acontecia.

A ele devo muito espiritualmente. Tinha um grande senso de liberdade e quando as prisões emocionais ocorriam, principalmente no plano materno, simplesmente fugia, levando sobre o corpo toda a roupa que podia, vestindo-as umas sobre as outras.

Acostumado a pernoitar fora, só depois de três ou quatro dias de ausência é que se notava a fuga.
Graças a elas metade do país conheceu.

Em uma dessas viagens, não mais voltou. Deixou no vazio a satisfação de tê-lo guardado na lembrança, a alegria da presença bem humorada, que mesmo nas situações dificeis uma tirada satírica de humor fazia, relevando o drama a uma simples piada.

Partiu simplesmente e nunca mais aqui voltou...

Foi um grande amigo,um camarada, um irmão!

sábado, 26 de setembro de 2009

(IN)DESCULPA(VEL)


Há quanto tempo aqui não venho. Preguiça de caminhar.

Neste tempo a que distante estive um mundo de coisas aconteceram.

Fui. Voltei.

Foi e aqui já está.

Não importa muito o tempo, pois sempre há tempo prá caminhar.

E caminhamos o tempo todo até quando nos julgamos parados. Longe estamos mas até agora não passamos, pois dentro de alguém ficamos saracuteando ou esperneando-lhes os pensamentos . Ou estamos perto , mais tão perto que sem querer somos de um enjôo só e chateamos e entristecemos o momento.

Mas estava falando mesmo era de minha ausência...

Não fui muito longe pois como já dizia Saint-Exupéry, 'Não se vai mesmo muito longe quando se segue sempre para a frente...'

Estive por aqui mesmo, neste espaço de meu Deus. Sorri, brinquei, corri, parei, pensei. Pensei muito, bastante mesmo, mas não escreví nada. Selecionei tanto que fiquei de mão vazias, ou melhor, com o papel em branco.

Hoje porém, algo aconteceu. Algo muito bom que me fez sair da letargia e correr para o papel e escrever e escrever.

Num arroubo de emoção por estar aqui fazendo exatamente isso, quero dizer:

Eu me amo e amo muito você!

sábado, 25 de julho de 2009

O HOMEM QUE CONTAVA CAIBROS




Zeca era um grande filão de café dos vizinhos. Meio pão duro, tinha o hábito de visitar amigos sempre nas horas das refeições.

Dona Idalice - a vizinha do lado era sempre a preferida para o café da manhã. Todos os dias ia ele bater na porta de dona Idalice.

Não bastando o inconveniente da visita, o abusado ainda se achava no direito de exigir.

- Café quente, cumadi, pois muié e café só presta quente.

Certo dia, dona Idalice havia tirado o café do fogo bem na horinha que ele chega.

Cafézium na hora, hein cumadi Dalice? O cheirium tá do bom. Bota aí na caneca, vai...

Dona Idalice capricha naquele café que sai do bule sereno, sereno... nem fumaça sai de tão quente!

Zeca também tinha o hábito de tomar o café sorvendo tudo de uma vez só, num chupado barulhento que fazia até dó.

Nesse dia, porém, após beber o café como de costume, ele pára de repente, bota a caneca na mesa e fica a olhar para o teto onde as telhas eram sustentadas por caibros próximos uns dos outros.

- Oxente cumpadi Zeca, o que qui o sinhô tá óiando?

Então muito sério ele diz:

- Cumadi Dalice um amigo meu tinha o custome bastante istranho de de veiz im quando oiá pra riba e ficar contando os caibros da casa de quem lhe dava café.

Satisfeita a curiosidade Dona Idalice se volta para sua caneca de café e a leva a boca. Uma forte exclamação lhe escapa:

-Vige Maria qui café quente!

- Cumadi Dalice jura que não foi de propósito? Óia minha pobre língua (a língua do Zeca, coitada, toda despelada, vermelha feito um pimentão maduro, estava à mostra.).

Ainda três dias depois o Zeca falava com cuidado, comia com cuidado e principalmente tomava na casa do vizinho, café temperada com água para não correr o risco de voltar a contar caibros.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

BUSCA





Um ponto de luz é a busca do homem que isolado em si mesmo queda-se feito ilha solta do arquipélago.
Quer encontrar o quê de seu para não mais estar sozinho.
Na sua busca ilusionista se torna; ora está ao longe e sua vista não mais nada alcança;
ora está tão perto que se esbarra em si mesmo;
ora se eleva aos céus – está com seu anjo;
ora desce aos infernos – e queima com seus demônios.
E nenhum dos dois o esclarece.
E o homem continua por séculos perscrutando seu caminho tentando fazer história da sua própria história.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A Viagem


Convite para viagem.

Estou já há muito pronta.

A mala cheia de tudo o que necessito.

Levo minha mãe como minha ascendente maior em minha cerne para povoar a nova terra através de mim.

Levo apenas alguma sementes num saquinho, bem no fundo do baú. Elas servirão, no tempo do plantio, para recordar-me a rocinha que fica no rincão de meu sertão.

Meus mais caros sonhos de amor irão comigo para fertilizar o novo progresso à construir.

Ah! O meu amigo também comigo vai, para se me completar na busca de nós mesmos e nas noites de frio me ensinar a olhar estrelas como pontos de luz na amplidão dos céus.

Levo uma fotografia de meus filhos para ter um motivo para recomeçar.

Levo dentro do peito e da cabeça a minha fé, pois com ela uma nova pátria, uma nova terra e um novo mundo construirei.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

UTOPIA



Basta um simples movimento de olhos que se fecha para me transportar no tempo e me encontro em uma estrada qualquer deste torrão. Um carro branco como a neve e ao lado, um amigo que fala sem parar, com leve sotaque ítalo-brasileiro. Novamente viajo para terras longínquas, de onde veio para a mim se fazer presente.

Divina é a nossa capacidade de ir e vir, do passado ao presente, inusitadamente sonhando o futuro, desejando ver com os olhos do corpo alguém que guardamos carinhosamente nos olhos da lembrança ( lembrança tem olhos?!) As lembranças são como video-type que nos traz de volta seres amados que partiram como aves de arribaçã, que sempre voltam ao ponto de partida, em busca do alimento que os mantém no eterno vai-e-vem para a saciedade da fome.

Estamos sempre em busca de amigos que nos complete e estes tem o poder de nos enriquecer, nos engrandecendo com suas presenças . Pena é que, amigos verdadeiros partem, enquanto os que ficam nem sempre amigos são. Talvez para nos enriquecer de alguma outra forma, caso contrário, não cruzariam nosso caminho. Os que partem, partem para que percebamos o quanto são necessários à nossa existência. Assim é que ao partir, ficam conosco para sempre e o mais bonito é que sempre os teremos conosco, porque não é mais a presença física que temos ( o que é o corpo senão nossa prisão? ), mas uma forma etérea que permanece viva em nosso coração.

E o amigo se eterniza dentro de nós!

Um dia Jesus disse:" Eis que estarei contigo todos os dias". Um amigo nunca parte. Ele é nosso amigo! E ele está sempre conosco. Basta fechar os olhos: seu sorriso aparece, ouve-se-lhe a gargalhada, o seu pranto. Sente-se-lhe o calor de suas mãos, o aconchego do coração. Nos sentimos alegres e tristes, porque a distancia existe a nos impedir o abraço... Mas a certeza há de que com o amigo fomos felizes em algum lugar do mundo e que este lugar é diferente porque nele o amigo deixou a sua marca; então toda a nossa casa se ilumina com nova luz, como se raios de um novo sol surgisse só para nós.

Minha casa mudou como se o calor amoroso da amizade a tivesse revestido com novas tonalidades, caleidoscópio sonoro que mostra as mil faces do amor, misto de universalidade e particularidades que só quem tem amigos conhece. Casa não é paredes. Casa somos nós que abrigamos muitos no coração.

Amigo é aquele que tem capacidade de acolher quem de afeto necessita, que mesmo vivendo só tem uma multidão de gente povoando o pequeno músculo que pulsa no peito, passeando indolentemente no pais das lembranças. Para o amigo nunca é perda de tempo ir ao encontro do outro, chorar de alegria, descobrir um mundo inteiro à construir e ousar viver utopias ...

Coincidentemente no rádio toca neste momente:

" Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito..."

Amigo, abro os olhos e o silêncio me leva à oração e que Deus permita este " qualquer dia amigo,a gente vai se encontrar".

Viva uma páscoa feliz!

segunda-feira, 16 de março de 2009

100 PALAVRAS


O mundo interior é cheio de vidas que insistem em vir à tona.

Quantas emoções, quantos olhares que nascem e duram apenas um segundo, deixando no exterior a sensação feliz de que a vida está valendo a pena...

Não, não se precisa de palavras para que o sentimento aflore, ademais, quantas palavras manifestam o vazio do coração! Enchemos por vêzes nosso mundo de frases feitas, orações completas que são facas de dois gumes, que se não ferem no momento que são pronunciadas, ferirão mais tarde...

Melhor deixá-las abandonadas, permitindo que, apenas o corpo fale.
Nossos órgãos de sentidos se encarregaram de manifestar tudo o que sentimo. Nossa visão torna-se aguçada, emitindo uma linguagem que ora se faz convite, ora se faz repreensão...

Nosso tato provoca sensações gerando reboliço, impulsionando forças de um vulcão. Nosso paladar se refaz num senso gustativo apurado para o novo alimento com sabor de mar, sabor ocre, sabor de paixão.

A audição ouve sons ininteligíveis, mas cheio de compreensão. Entendemos o silêncio como forma de canção.

Nossas narinas se dilatam para apreciar o cheiro do macho e da fêmea que se atraem num rico jardim de odores que transformam dois mundos em um só chão.

Dois corpos que se atraem e se transformam em apenas um. Duas metades que se encaixam. É o côncavo e o convexo numa perfeita união de impares contida na evolução do universo que, em harmônia e equilíbrio perfeito, se unem para completar a criação.

É a linguagem maior do amor; sem palavras, sem sonhos, sem futuro, porque o futuro é este instante. É o presente acontecendo entre nossas mãos...

...e é para viver o hoje que nascemos e estamos aqui!!!

sábado, 28 de fevereiro de 2009

ESTRANHEZA



Coisa estranha é a vida que nos foi dada p'ra viver.

É tão simples e tão misteriosa...


São tantos os caminhos que temos que escolher; são tantos outros que escolhem por nós! Muitos são os que nos fazem importantes, muitos outros nos tornam pequenos e impotentes. Muitos deles desejaríamos abandonar, descobrir novos e ir seguindo. Apenas indo, deixando nossos rastros falar por nós.


O lado simples da vida nos coloca frente a nós mesmos e a nossa verdade é simples e silenciosa e por ser assim, incompreensível. Não compreendemos a lógica infantil nem a perseverença das ervas dos campos, que arrancadas, renascem mais viçosas e enchem os campos de flores e de perfumes. Não compreendemos o sol que nasce todos os dias para todos, sejamos bons ou maus. Não compreendemos os horrores da guerra, nem as injustiças, nem a falta de fraternidade dos homens.


São atos simples como o nascer e o morrer...e nem a esses compreendemos.
Tentamos, contudo, porque somos teimosos. Ora compreendemos, ora aceitamos, ora nos acomodamos.


Se enfrentamos o medo, quiçá nos condenaremos ao sabor amargo da derrota e realizaremos em nós mesmos a guerra fria ao sentimento. E é neste estado racional e emocional que se centraliza a simplicidade do ser homem como Deus o criou.


Não somos o que vemos. Somos o que não queremos enxergar. Somos o invisível ora amoroso, ora tenebroso, ora em trevas, ora iluminado.
Somos
(i)mortais, ainda ignorantes caminhando por terras desconhecidas em busca de um saber que nos leve de volta rumos ao infinito de onde viemos.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

COMO ALMA GÊMEA





Olha quero lhe falar da minha importância em sua vida.


Você nem percebe o quanto estou dentro de você e dentro dela!


Veja meu amigo, estou sempre perto de você, como o seu coração que bate ( eu por mim, tilinto!) incessantemente como se quisesse lhe transmitir a vida.


Ora consigo levá-lo para outras terras, outros continentes: ora lhe falo perto e sem querer obrigo-o a fechar os olhos quando sôo-lhe alto aos ouvidos.


Às vezes assumo vozes distantes, como fantasmas do passado, outras é o presente que insiste em ficar. Mas meu querido, você não pode reclamar, sou tão providencial que hoje mesmo consegui lhe ajudar na solução de um grande negócio e nem o trabalho de arredar pé de casa teve.

Depois dei-lhe uma má notícia, Sei que sofreu, mas que podia fazer?

Fiquei com pena de você , mas era preciso que soubesse.


Estou tão próximo e você necessita tanto de mim que um sócia meu até já adquiriu para acompanhá-lo casa-a-fora. Então colo-me ao seu ouvido, sinto sua respiração e sua voz bem próximo as minhas cavidades sonoras e passo a perseguir-lhe os passos, tomo conta de todo o seu ser. Já não dou tempo nem para o banho nem para o sono . Sou possuidor do seu corpo e do seu coração. Sou tão você que lhe perturbo a paz e a amizade.


Quem ousa tomar-me o lugar em teu coração, sai danado da vida comigo, pois lhe abrigo a falar a prestação. Chato, não é? Mas é que sou tão possessivo na minha função de comunicar ( fatos importantes, fofocas e os últimos acontecimentos, que juro, se preciso for, provoco um reboliço tal em sua vida que irei viajar consigo e então não poderá afastar-se de mim nunca mais. Serei seu ar, sua fome, sua emoção e seu espírito. Você então viverá sob meu controle e no lugar do tum-tum que não acaba mais de teu coração ao avistar a pessoa amada, se ouvirá apenas o som grave e irritante do meu penetrante tilintar:


-Trim-trimm-trimmm-trimmmm!!!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

NECESSIDADES


É preciso estar aberto para viver os descaminhos da vida.
Nem sempre o que desejamos acontece, nem sempre amamos quem queremos, nem sempre realizamos nossos sonhos.


O bom da maturidade é que vamos aos poucos desvendando os segredos da vida; vislumbrando revelações inceitáveis a luz da razão. Desnudando-nos das roupagens conceituais e percebendo o lado divino das situações inexplicáveis, vivendo-as no zelo da doença-vida.


Vamos buscar alento nas carências uniformes bilaterais num uníssono de almas que anseiam pelo fim único: o amor, mesclado por particularidades que se perdem no tempo de nós. Vamos juntos acalentar a criança pequena no adulto disforme pela cultura social, que deseja carinho, que deseja colo, que deseja o seio da mãe, que deseja o desejo de se ter por inteiro e simplesmente para ser feliz, um coração.


Estamos sós no amor que possuímos, única riqueza, única fonte de luz e graça que, expulsa do Jardim do Éden, aninhou-se, sem jeito,envergonhado, no coração. E somos únicos no mundo, senhores do universo contido na alma, desejosos de possuir o mundo, para depositá-lo aos pés sagrados do deus do amor, quem sabe eu, que fiz o meu mundo, quem sabe nos braços que se foram, companheiros que eram na estrada que se bifurcou.



".... é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã!...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

ENROLADOS NOS PAPEIS




N'outro dia parei estarrecida ante a dificuldade de encontrar um papel. Até aí nada demais, afinal o que é um papel? Simples derivado de vegetais que transformado pela ação química adquire diversas utilizações: uns embrulham ricos presentes que alegram os momentos festivos da vida; outros os alimentos que nos mantém vivos e outros limpam as sujeiras de partes do corpo.
Até aí tudo bem.

Há porém outros papéis bem mais complexos e difíceis de se lidar. São os papéis que vamos aos poucos desempenhando pela vida afora.

Há o papel criança:
* bem amada, super protegida, zelada e mimada ( tanto que não dá para ser útil, tal o zelo!).

* abandonada, amassada, jogada aos cantos e esquinas da vida, como se um brinquedo velho fosse...

*adolescente: buscando seu caminho teima em ser acreditado em sua utilidade; alguns acreditam que servem para embrulhar alguma coisa, outros os pensam inúteis e os deixam de lado - esquecidos até perderem o prazo de validade e cairem no esquecimento de sí mesmo.

Há o papel de mil e uma utilidade:
Embrulham tudo, assumem qualquer presente: coisas velhas e sem serventia, sapatos, roupas e jóias; finos móveis , carros e casas.... Fazem o super papel ( heróis?) ! Outros se saem mal não conseguem embrulhar nada: nele tudo se escreve e tudo se apaga. É riscado, amassado, rasurado. Pensamentos são anulados, suprimidos os ideais: são rotos e desvalorizados.
É o caos, é o lixo , é o fogo.

Há também os papeis títulos:
Hierarquizados, arrumados de cima pra baixo, socialmente valorizados, mas espezinhados na essência pela sede de poder e de estar entre os melhores papeis: são do tipo papel couchet.

Aí, chega o dia em que, preocupado, cônscio de desempenhar bem o papel que lhe cabe, percebe abismado que, como ser de nada vale: os papéis tomaram-lhe o lugar, o espaço, a personalidade.

Eu o vejo, toco, sinto sua infinitude - mas prova-me, por favor, que existes. Apresenta-me o papel do teu nascimento. Tens companheira? Nas noites de frio ela te aquece com o calor do corpo? Te dá afeto e carinho? E teu deslevo por ela é imenso? Cadê o papel do casamento? Sem ele teu amor não existe, nem consta nos livros sociais...

Teus filhos são bonitos e preenchem o vazio de teu coração suavizando-te os sofrimentos? É por eles que labutas noites e dias, enfrentas o frio e o calor das horas de trabalho? Existe o labor diário para alimentá-los e mantê-los saudáveis mas... já passaste pelo cartório para provar que existem mesmo?

Ah, agora é tua mãe que morreu. Lágrimas quentes e incontroláveis rolam-te pelo rosto. A dor dilacera teu coração. Nunca mais ouvirás o som da voz cansada pelos sofrimentos da vida, nunca mais os passos miúdos rondando pela casa em busca do quê fazer, nunca mais o afago nos cabelos e a palavra amiga a te confortar. O corpo está frio num caixão qualquer. Perdeste o pedaço mais importante de ti mesmo: a origem de de tudo o que és. Para livrá-la da decomposição visível e desprezada pelos sentidos humanos necessitas do papel-óbito, provando assim, indubitavelmente a sua morte.

E assim a existência da obra preciosa do Criador é transformada em um simples papel que depois de amassado, rasgado, triturado, torna-se uma massa molhada por lágrimas do oceano insecável dos teus olhos, que se vêem transformados em papel marchet, que se molda de acordo com os ditâmes da sociedade que tu mesmo fizeste.

Até aí, tudo bem, afinal estamos todos mesmo enrolados nos papéis escolhidos por nós mesmos!

E é neste contexto de embrulhados e embrulhantes que um dia, cansados de tanto ansiar por desempenhar um papel que represente a imagem do que somos realmente nos decidimos pelo papel reciclado buscando uma nova chance de fazer diferente, com nova cor, um outro destino.

Até aí não mais tudo bem... mas agora está tudo bem!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

HERANÇA





SOMOS FILHOS DO AMOR, MAS NÃO SABEMOS AMAR.


Nosso Pai, o Amor, age diferentemente da carne, concretamente chamada de corpo. O corpo age enquanto necessidades, as quais confundimos com a nossa essência. Amamos tanto as necessidades que fazemos nossa vida fora do plano para a qual viemos parar aqui.

Somos amor, porém estamos nos distorcendo, nos deformando pelas necessidades: alimentação, educação, sexo, falta de moradia, de saúde, de espiritualidade. São necessidades básicas e em função delas nos envolvemos em uma luta desenfreada pelo ter. Ter coisas e cada vez mais para sermos vistos como vitoriososo na vida. Acumulamos bens, somos aplaudidos e elevados ao patamar de homens de visão e bem sucedidos. Perdemos a melhor parte da existência buscando caminhos para chegar a ter o troféu imprensa(dos) pela ambiçao que assumimos. Nessa caminhada vamos esquecendo de aprender a lição maior que deveríamos aprender quando nos matriculamos nesta escola.

Nossos pais-irmãos ao nos plantar aqui, estavam tão envolvidos no semear, que esqueceram de adubar a terra com o fertilizAmor, que nos imunizaria de passar pela infertilidade, pela secura e pela falta de sabor na vida. Constatamos depois de muitas dores de cabeça, muita gastrite, alguns enfartos, que tudo o que fizemos não passou de um engôdo, um grande engano! Fizemos tudo o que deveríamos para atingir a ápice, mas olhamos para o torre e perguntamos: Valeu?

Ficamos estarrecidos com a resposta do nosso íntimo: não, algo ficou sem execução. E sentimos então um grande vazio ao percebermos que fizemos tudo pelo ter que pouco de valor contém. Desejamos então trocar tudo por um pouco do ser. Sofridamente o ser está incompleto e o tempo se faz curto para a nova construção.

Olhamos para trás e vemos milhares de gente plantados como nós, companheiros nossos, caminheiros de uma mesma linha de tempo, dos quais não vimos o quanto eram belos os sorrisos, a sede de viver, a sinceridade do olhar e a expectativa na pergunta...Deixamos uma parte de nós guardada na gaveta e perdemos a emoção!

Não nos cativamos e nem nos deixamos cativar. Não amamos verdadeiramente nem nos deixamos amar. Só muito depois, quando os companhiros se vão é que sabemos o quanto o queríamos próximos, mas aí o tempo passou...

Somos amor , somos emoção.
O resto vira resto e pensamos que o resto era tudo.

Somos filhos do amor, mas precisamos aprender a amar.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

PASSAREDOS




Os pássaros alçam vôo rumo ao infinito, às vêzes encontram companheiros solitários para vôos isolados; buscando juntos a sincronia das asas para o bailar na amplidão.

Todos temos o sonho de afirmar-nos como seres humanos e nesta ânsia se nota que em todos parece, que a única porta que se abre, ou que se consegue enxergar é o partir, ir em busca de .... Somos como pássaros que desejam aprender a voar, arriscando o "ir longe". E longe há o desconhecido que seduz, que atrai, que mete medo. Mesmo assim queremos arriscar.

E quando se sai do ninho tudo fica distante e tudo se torna assustador. Sentimo-nos perdidos num estado de 'um não sei quê' que deixa o peito amargurado e apenas a amplidão dos céus nos poderá conduzir ao infinito dos sonhos.


Ah! Os sonhos!
Todos têm sua origem no âmago onde a sede de afirmação surge, perfazendo a dualidade quimera-realização, num êxtase consciente, onde a responsabilidade, mesmo sem a métrica poética deve rimar com compromisso. E são esses dois pontos que atormentam os dias, as noites; contudo, é salutar, pois revelam o compromisso com a própria vida e tornam-nos dignos de sermos chamados filhos da vida-Deus!


E é o compromisso e a responsabilidade que nos impede de jogar com sentimentos e com a vida.

Comprometer-se dessa forma é assumir as consequências do vôo, do querer, do partir. Como e o quê se fará para levar o compromisso à frente, é a vida quem dirá; revelando-se aos poucos, com tudo o que se criou ao redor e com tudo o que somos: pensamentos, ações,emoções. Uma revelação que se irá aos poucos se fazendo notar em nosso coração, se nele houver se instalado o dom do discernimento e uma boa dose de maturidade para ler os sinais dos tempos ( pode-se ler sinais da vida).


Aí então, o pássaro que há em mim e em você voará tão alto que vista alguma o alcançará; tão rápido que ultrapassará a barreira do som; tão iluminado que ofuscará a visão.


...E estará tão só que refletirá todos os rostos que pela vida se lhe foram refletidos.

E a revelação maior do vôo será que, um pássaro só voa alto quando tem em seu interior a força de outros tantos pássaros!